Alguma parte de mim, mesmo que bem instintivo, gosta de quem eu sou. Depois de muito tentar apaziguar a briga interna entre o sol em câncer e o vênus em leão que interfere diariamente na minha vida, eu decidi sempre me olhar no espelho e abrir as minhas próprias portas. Todo dia eu descubro uma coisa diferente, uma rachadura, uma mancha, uma goteira. Esses dias eu percebi que tenho duas pintas perfeitamente simétricas, uma em cada lado do meu rosto. Acabei aprendendo que não preciso gostar de cada espaçamento do meu corpo – inclusive, acho realmente estranho que meus testículos se separam por, literalmente, um centímetro de distância. Mas amo o fato de que todos esses defeitos são meus e só meus. A união de todos eles, a fórmula química que me transforma na única pessoa existente no mundo que possui exatamente essa sequência de predicados.
A luta pelo autoconhecimento não começou quando eu descobri a sexualidade, por exemplo – começou bem depois. Começou quando eu,com 18 anos de vida, tive que lutar para continuar vivo e mudar o mundo. Eu me prometi – sim, eu lembro disso – que, se eu vivesse, eu iria fazer o mundo valer a pena. E hoje eu valido cada conquista que eu fiz nesses anos que parecem séculos pra mim – será que, a medida que a gente cresce, o tempo passa mais rápido? Estranhamente, sim. Aqueles dez dias entre a vida e morte duraram mais que esses 40 anos que eu carrego nas costas e são eternidades quando comparados à meu futuro idoso e tedioso que eu espero ter assim que eu falar:”Pronto, eu fiz o que eu podia para tornar o mundo habitável”.
Nisso, entre uma risada e outra, uma perna bamba e choro livre, entendi que eu sou minha própria casa – provavelmente, daqui alguns anos, quando minha literatura tornar-se didática, alguém vai fazer uma apresentação de slides sobre mim e colocar nas características gerais que eu só falo clichês óbvios, mas importantes. Eu cuido de mim, escovo todos os dentes sempre depois do almoço, lavo o rosto, escolho a cueca e me deixo extremamente confortável para que eu possa descansar em mim mesmo sempre que o mundo lá fora fica pesado demais. No fim de tudo, eu me tenho. E isso basta de uma maneira absurda e inexplicável.
Ás vezes eu recebo visitas que me incomodam.Tiram os momentos mais livres, inundam o meu ouvido, deixa tudo fedendo e cheirando a desgosto – já escrevi sobre isso algumas vezes, e tudo bem quando isso acontece. Mas na maioria das vezes, recebo visitas incríveis que sempre trazem um tema de ideias que eu deixo pegando Sol na janela da mente. Eu amo ofato de que minha vida é um livro não aberto e assim eu posso ou não contar pra todo mundo que passa o que tá acontecendo aqui dentro, sem sentir que alguém vai me invadir a qualquer hora pois eu tenho as proteções necessárias para dizer: “Pera lá! Aqui não!”.
No fim, eu amo cada pedaço do meu corpo e cada parte da minha personalidade que faz com que todas as pessoas que, por algum motivo, vão se referir a mim em uma conversa de bar, digam: “Você conhece o Igor? Aquele lá, o louco e estranho”. Gosto da minha barriga que já absorveu tanta carne que cansou. Gosto do meu sangue que escorre palavras e dores, mas sabe a hora certa de estancar. Gosto dos meus olhos que se fecham acada sorriso, para guardar bem guardadinho aquela memória que me fez rir. Gosto da nudez e da arte que é servível em cada centímetro quadrado do meu corpo.Gosto do jeito que eu flerto e transo e amo e me apaixono comigo mesmo, a cada dia, de um jeito diferente e sempre falo: “Oi… você vem sempre aqui?”.
Sei que ainda preciso aprender a cuidar um pouco melhor de mim – eu não sei comer direito e muito menos sei a hora de parar de transar-, mas sei que tudo isso é um livro inteiro que preciso escrever para aprendera lidar com essa casa que ainda falta umas partes para serem cobertas de gesso.Sou simples, mas cheio de significado subjetivo que precisa de um dicionário próprio para entender cada vírgula, cada filosofia maldita que, vira e mexe,saem da minha boca durante uma discussão. Odeio isso e aquilo, mas, num geral,eu consigo me reconhecer no espelho.