O conceito sobre a regulamentação do sexo sempre foi um assunto do Estado, das elites dominantes e da religião . Embora permitida, a atividade sexual, extremamente variável em sua forma, sempre esteve atrelada a regras que variam segundo as sociedades.
A moral sexual é um fato da cultura.
Não existe sociedade que não tenha regras a respeito do uso da libido. O controle em relação aos “prazeres da carne” sempre foi, em intensidades diferentes e em momentos sócio-históricos variáveis, um elemento constitutivo do humano. Na Antiguidade, por exemplo, a capacidade de comandar o corpo e os prazeres era muito valorizada. Dentre alguns dos expedientes utilizados para este fim, não podemos deixar de reconhecer posições próximas daquilo que a psicanálise chama de sublimação: a sexualidade pode ser controlada e a economia da descarga sexual que dai resulta ser utilizada para aquisições culturais.
A níveis diferentes, todas as religiões propõem um regime sexual. Em algumas sociedades onde prevalece o domínio religioso, cabe aos sacerdotes, inspirados pela vontade dos deuses, ditar a moral sexual. Já nas chamadas sociedades científicas e tecnocratas são os sábios – médicos, psicanalistas, psicólogos, pedagogos… – que se ocupam da regulação da sexualidade. Enfim, legislar acerca dos prazeres parece ser uma astúcia inerente ao trabalho de cultura para manter a coesão dos grupos humanos. O que se depreende de tudo isto é que o discurso sobre a sexualidade é um artefato criado para lidar com o mistério do sexual que nunca será objetivamente observado e controlado. A ordem discursiva criada pela cultura jamais dará conta desse enigma, cujas manifestações são provas irrefutáveis de que não somos senhores em nossa própria casa. Sendo o inconsciente sexual, suas produções são muitas vezes sentidas, tanto pelo sujeito quanto pela cultura, como algo da ordem do estranho .
As questões introduzidas pelo cristianismo no que diz respeito à participação da sexualidade nas formações das referências ético-morais e dos ideais sociais da cultura ocidental foram e têm sido objeto de vários estudos, dentre os quais os três volumes da História da sexualidade de Foucault e a renúncia à carne: virgindade, celibato e continência no cristianismo primitivo, de Peter Brown (1995). A leitura destes trabalhos evidencia o quanto as religiões ancoradas na tradição judaico-cristã, sempre subjugaram e restringiram as práticas sexuais.
No Livro do Levítico, a Lei Mosaica constrói o estatuto referente às práticas sexuais, determinado as proibidas, as abomináveis e as impuras (Lv 18, 26-30). Bem mais tarde, já no século XVIII, o Direito Canônico considerava impuro e criminoso o ato sexual em si mesmo e, a princípio, sujeitou à sanção penal e à perda dos direitos civis e patrimoniais a virgem, ou a “mulher honesta” que, espontaneamente, se unisse, carnalmente, a um homem. Proibia-se até mesmo o desejo e o próprio pensamento. No Concílio Vaticano I (1869- 1870), que resultou na publicação da Constituição Dogmática Pastor Aeternus sobre o primado e infalibilidade do Papa quando se pronuncia em assuntos de fé e de moral, a Igreja pregou o castigo eterno a quem ousasse desrespeitar suas restrições divinas. Se a castidade, por determinação do Concílio, já não constituía a condição escatológica para a salvação, ela ainda representava um ideal da vida cristã diante do qual o sexo, mesmo provido da desculpa sacramental do casamento, era apenas um estado inferior:
A única justificativa para a sexualidade era a reprodução da espécie, e, somada ao sacramento do matrimônio, ela apagava o pecado do prazer; mas o prazer em si era tido apenas como uma falha, da qual ao menos a esposa podia ser salva pela graça da frigidez; e a união só era lícita quando contribuía para a procriação, única coisa a desculpar a bestialidade desses atos. Na falta da perfeição e já que o povo do Senhor inha de se propagar, podia-se tolerar algum prazer, sob a condição de que ele fosse bastante reduzido e de modo algum se transformasse num fim em si. (LANTERILAURA, 1994, p. 21).
O conceito de inconsciente, introduzindo pela psicanálise, desconhece os valores morais. Isto faz com que atos moralmente condenáveis sejam vistos, no entanto, como psicologicamente necessários. A rigidez moral surge, através do olhar psicanalítico, como fonte de sofrimento psíquico, pois limita a circulação pulsional. A supressão dos desejos inconscientes com a subsequente impossibilidade de simbolização pode ameaçar o contrato social pela transgressão abrupta e traumática de seus valores pelo sujeito reprimido. Ao sujeito que escapa a esta situação, caberia uma resignação neurótica, ou seja, o adoecimento:
“Em suma, sem a repressão da sexualidade, não há sociedade nem ética, mas a excessiva repressão da sexualidade destruirá, primeiro, a ética e, depois, a sociedade” (CHAUÍ, 2001, p. 356).
O sexual parece constranger e assombrar a Igreja por ocultar implicações outras que extrapolam o campo da sexualidade. Representações de Deus, da salvação e do pecado, como tentativas de barrar o retorno do recalcado, podem de fato estar em jogo em torno dessa problemática. Além de uma questão moral, a Igreja se vê imobilizada diante de um emaranhado de questões dogmáticas. Por isso mudanças na moral sexual encontram resistências e impossibilidades.
Outro fator a ser considerado é a construção ideológica católica em torno do poder da Igreja como sustentáculo da verdade. Abrir mão de certas posições colocaria em xeque este poder e seu domínio sobre os fiéis, afinal:
Dominar o espaço mais íntimo da pessoa pressupõe dominá-la por inteiro. Isso significa limitar a fonte de seus desejos e de seu poder de expressão assim como impedir qualquer tipo de auto-afirmação diante da lei e do poder […] A tentação pode ser a de manter um domínio secreto sobre a massa de crentes por meio do controle dessa zona íntima da personalidade. A associação estreita entre a sexualidade e o sentimento de culpa poderia também pretender manter os crentes numa posição de submissão e de debilitamento próprio eu […] Temos, pois, um grave problema eclesiasticamente irresolvido. E também uma questão de poder associado a ele (DOMINGUEZ MORANO, 2003, p. 202).